Texto de José Luiz Bednarski (*)
Poucos promotores de Justiça ousaram permanecer tanto tempo no mesmo cargo quanto Nélson Garcia Rosado. A titularidade gera um desgaste constante e a maioria prefere respirar novos ares de tempos em tempos. Contam-se nos dedos de uma das mãos (talvez a do Lula) os que ousaram ultrapassar o patamar da inamovibilidade do nosso querido Doutor Nélson
Um exemplo marcante foi Alcides Fidélis, promotor público de Ilha Longa por 42 anos. Ingressou no cargo ainda jovenzinho peralvilho¹, pouco antes do suicídio de Vargas², e no mesmo gabinete permaneceu até se aposentar depois da criação do “tijolão” tela verde e da volta do fusca, no governo Itamar³.
Em seguida, Alcides comprou um veleiro e abraçou de vez o estilo caiçara, dedicando-se com afinco à pesca em alto-mar. Para longas jornadas, levava seu livro preferido - O velho e o mar, de Hemingway¹¹ - e de lá só voltava depois de fisgado um peixão embarcado a guindaste.
A aventura durou anos a fio. Não cessou nem mesmo quando descoberto o maligno tumor. Sem chance de cura, o promotor jubilado aproveitou os estimados seis meses de sobrevida para adiantar o inventário, parcelar a cremação, distribuir as disposições de última vontade e, naturalmente continuar pescando.
A notícia da morte iminente da figura ilustre espalhou-se pelo vilarejo. Fidélis evitou salamaleques e solenidades, alegando pescarias agendadas. Porém, seu genro era prefeito e da derradeira homenagem o paciente terminal não escaparia. Era só o paciente escolher entre batizar uma avenida ou escola com seu nome.
O velho acusador não precisou pensar muito. Via pública e liceu não queria porque detestaria ter seu nome associado a crimes educacionais e buracos asfálticos. Já que era obrigado a escolher, queria mesmo era ser nome de árvore. E assim foi feita sua vontade ao pé de uma figueira em frente ao mar de 74 quilômetros daquele balneário.
Anos depois, o mar ficou marrom. Pelo cheiro de esgoto o povo tinha certeza de que era poluição. Para a municipalidade, era excesso de folha, e cortaram todas as árvores da orla. Só uma foi poupada: a que tinha um nome a zelar.
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¹peralta, que mantém alguns traços da personalidade jovem, mas já assumindo a fase adulta.
²Getúlio Vargas, presidente da República de 31 de novembro de 1930 a 29 de outubro de 1945. Depois, na época citada no texto, presidente da República de 31 de janeiro de 1951 a 24 agosto de 1954.
³Itamar Franco, presidente da República de outubro de 1992 a janeiro de 1995.
¹¹Ernest Hemingway – Escritor norte-americano, Nobel de literatura de 1954, famoso pelo livro “O velho e o mar” (1952), “Adeus às armas” (1929) e “Por quem os sinos dobram” (1940), inspirado na revolução espanhola (1936 a 1939) da qual foi correspondente de Guerra pelos Estados Unidos da América.(*) José Luiz Bednarski é promotor de Justiça, da Cidadania e do Consumidor em Jacareí SP, e membro da Academia Jacarehyense de Letras.
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