Dizem os textos que o japonês Matusuo Bashô (1644 – 1694) meditava em certa tarde sentado num almofadão em seu jardim de flores de cerejeiras. Ao lado dele estava a namorada, Sumiko, quando, provocado pela doce paz do momento, “bachô” em Bashô um sono danado que lhe tirou o equilíbrio. Com a queda, ele só teve tempo de dizer assustado: “Ai! Cai! Minashiguri!”, antes de amassar o nariz no seu fofo e verde gramado importado da Mongólia.
Como as grandes dores mudam o mundo, as pequenas têm o direito de mudar a poesia. Aquele desastrado momento inspirou em Bashô a ideia de dedicar-se intensamente ao “hai kai”, ou “haikai”, como se vê, palavra originária de “ai, caí! que passou a ser escrita com “k” para dar um toque de sofisticação e disfarçar a origem banal de uma queda de nariz no chão.
Quanto ao “minashiguri”, também gritado por Bashô na hora do desequilíbrio, não havia explicação unânime até o final do século passado. Para mantê-lo na memória até dar-lhe um sentido prático, Bashô batizou com esse nome seu primeiro livro de haikais: “Minashiguri”. Coube ao saudoso Dinho, poeta e compositor do grupo “Mamonas Assassinas”, solucionar o mistério. Segundo ele, o descuidado japa ao cair da cadeira gritou, em vão, para a namorada que estava ali perto: “mina, segure!”
Matsuo Bashô era rigoroso amante da concisão e da objetividade, embora seus inimigos (quem não os tem?) garantiam que ele tinha mesmo era preguiça de escrever, por isto adotou essa forma poética que possui apenas 17 sílabas, e foi dela o representante maior no Japão em todos os tempos.
Na verdade, o haikai é um desafio. Afrânio Peixoto introduziu o haikai no Brasil, porém o poeta Guilherme de Almeida foi quem ditou no país as regras rígidas para a prática dessa poesia. Segundo ele, um clássico haikai tem três versos. O primeiro e o último com cinco sílabas, e o do meio com sete. Além disto, o primeiro verso rima com o terceiro, e o segundo verso tem uma rima interna, linear, em que a segunda sílaba rima com a sétima. Exemplo:
Noite. Um silvo no ar.
Ninguém na estação. E o trem
segue sem parar.
Vários outros autores, que adotaram o haikai pelo mundo, impuseram outras regras sempre dentro desse universo de 17 sílabas. Millor Fernandes, entretanto, fez haikais sem obedecer qualquer regra, para arrepio dos puristas. Na verdade, foi ele quem popularizou o haikai no Brasil, ao publicar uma nova composição a cada semana em sua página “Pif-Paf”, da antiga revista “O Cruzeiro”, e em outras em que colaborou. Exemplo:
Meu dinheiro
Vem todo
Do meu tinteiro
Para ficar bem com todo mundo, ofereço-lhe um dos meus na medida certinha:
Na Academia,
Se não mantenho atenção,
Vou todo dia
É bom lembrar que a última sílaba de cada verso, para efeito de contagem, é sempre a sílaba tônica. Portanto, em portanto, por exemplo, a última sílaba é tan e não to. Em América é mé e não ca, e assim por diante.
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