sábado, 21 de maio de 2016

O deputado devolve potinhos vazios



Se existe uma coisa que me mata de vergonha é me sentir inoportuno. Há cerca de dois meses, fui recebido por Esther e Doutor Nelson Rosado na aconchegante vivenda de ambos em Jacareí. Em se tratando desse casal, escreve-se vivenda mesmo – no mínimo morada – para dar ideia do clima local. Assim, dizia eu, fui recepcionado nessa morada onde convivem flores, folhagens decorativas, pássaros cantantes, borboletas coloridas e duendes inspiradores de fantasias literárias.

Parei pouco. O tempo necessário para uma pequena entrevista com Nelson, policiando-me para que embalado na conversa não perdesse a noção do tempo. Não queria me sentir atrapalhando, pois, quando cheguei, havia outro visitante ilustre na casa, mais o filho do casal. Demorei pouquinho mais que o necessário para entrevistar o promotor. Terminado, anunciei que estava de saída e, sob protestos elegantes de Esther e Nelson, na despedida tive grata surpresa: ofereceram-me levar doces feitos por eles acondicionados em dois potinhos que me emprestavam. Lembrei-me, nostálgico, que no século passado era comum esse gesto de brindar uma visita à saída com guloseima feita em casa, uma prática que prolongava o prazer da visita.

A satisfação da visita só terminava na devolução das vasilhas, no meu caso os potinhos. Pelo caminho rememorei essas práticas que impunha regras gostosas de cumpri-las. Exemplo? jamais devolver os potinhos vazios. Deveria fazê-lo com petiscos à altura. Perdeu-se muito desse costume, infelizmente. As pessoas cada vez menos recebem potinhos com doçuras quando vão à casa de alguém. O ritual dessas hoje raras visitações de cortesia ficou mais pobre. A gente percebe isso no reflexo em seus textos mais recentes da Esther. Ela não tem mais escrito, sonhadora, sobre saxofonistas solitários tocando numa tarde ensolarada na calçada em frente ao Banco do Brasil para quebrar a chatice do trânsito engarrafado.

Ao contrário, li, dia destes, um texto em que Esther fazia críticas à situação atual do país e citava Cícero, em Latim, claro, para dizer que o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, abusa demais de nossa paciência ao negar evidentes faltas graves cometidas (Esbravejar em latim é chique demais). Pois é, Esther, está difícil até escolher a iguaria para devolver nas embalagens. Eu que o diga! Acho que Cunha devolve vazios os potinhos que lhe emprestam. Se é que se lembra de devolvê-los.


Nenhum comentário: