sexta-feira, 27 de maio de 2016

Calçadas formidáveis, pedaços de mau caminho e mesóclises do “presidento”

Calçada com ladrilhos portugueses: quebrou, estragou

Naquele tempo, anos 1960, “pedaço de mau caminho” era referência "gracinhosa" a mulher sedutora. Hoje leio a expressão usada como crítica ferina, embora procedente, em crônica do acadêmico José Luiz Bednarski na coluna O quinto poder”, publicada no Diário de Jacareí. O autor refere-se às calçadas esburacadas ou descuidadas na região central da terra afonsina¹, mas poderia ser de qualquer outro município. Todas as ruas antigas de cidades interioranas sofrem de males como estreiteza de ruas, calçadas em que mal passam duas pessoas e desinteresse do poder público e de moradores em cuidar delas. Dos moradores também. O domínio do espaço é do município que as constrói, mas a obrigação de conservá-las é dos moradores. As prefeituras têm ainda, em muitos casos, de optar entre facilitar a passagem aos automóveis ou aos pedestres. Os governantes antepassados parece que imaginavam que o tempo das carroças nunca terminariam.

Depois vieram aqueles ladrilhos portugueses que precisam ser colocados de caco em caco no passeio público por mãos que entendem, ou melhor, entendiam da arte. Essas pedras com status de ladrilhos acabam por se tornar “ladrilhos brasileiros” na medida em que se quebram ou são quebrados e ninguém acerta mais a situação. Os reparos como mostram fotos, são desastrosos. Procure no “Google” em “calçadas ruins” e, depois que abrir, clique em “imagens”² para conferir como Bednarski foi bonzinho no que escreveu no jornal. Parece que nenhum “calçadeiro”, se é que existe a função, acerta esse trabalho hoje em dia. Em muitos casos passam uma camada de reboco por cima do estrago e “estamos conversados”. Em outros locais são calçadas muito inclinadas ou em degraus ou, ainda, estranguladas por um poste ou uma árvore. É quase impossível andar a pé por elas. Há também calçadas desencontradas, outras obstruídas como se “passeio público” fosse apenas força de expressão e não um substantivo concreto, embora quebrado na prática. As cidades estão cheias desses “pedaços de mau caminho” como as denominam com propriedade o colunista acadêmico.

 A intenção deste artigo era, inicialmente, mostrar como o tempo muda o sentido das palavras. “Formidável”, quando eu era estudante do ensino fundamental na primeira metade do século passado (1947, por aí) significava “horroroso, horrível, assustador, pavoroso, amedrontador”. Hoje significa “impressionante, excelente, fantástico, que merece admiração pela sua excelência”, como registram os dicionários. "Passeio público" é palavra que parece seguir caminho inverso. A diferença é que naquele tempo fenômenos assim (mudança de sentido das palavras) eram raros e muitos até se tornavam curiosidades para estudos em aulas de português ("linguagem", dizia-se na época). Como se hoje ao invés de consertarmos as calçadas mudássemos o nome delas para, digamos, “passagens radicais” e ficaria tudo bem.

Até hoje, governantes de qualquer dos níveis não tinham mandatos ameaçados por surrupiar dinheiro público, descuidar das calçadas ou da linguagem. Durante anos ouvimos, inertes, gente graúda e servil falar “presidenta”, “mulher sapiens”, “ocê” e barbaridades do gênero. Foi preciso a descoberta de um escândalo como nunca antes visto neste país ameaçar o futuro de nossos filhos e netos para um início de reação.

Como já foi afastada uma “presidenta” em nome do descuido para com o caixa do tesouro, de quebra, temos um “presidento” que diz castiçamente “consertá-lo-ei” e outras mesóclises do purismo linguístico, é de se concluir que, pela lógica, passaremos a ter, pelo menos, calçadas melhores nas vias públicas do interior. Acho que o mundo ainda tem jeito, Bednarski. 
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¹Terra afonsina -  alusão a Antônio Afonso, suposto fundador de Jacareí.
²Ou copie e cole a linha seguinte no campo de endereçamento:  https://www.google.com.br/search?q=cal%C3%A7adas+ruins&espv=2&biw=780&bih=404&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwi16c_zvfrMAhWGvJAKHVDPBHUQ_AUIBigB 

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