O trabalho intitula-se “Da próxima vez, prometo melhorar”. Esther
começa com um gesto básico de humildade para nos envolver com o sentimento que
ela expressa no texto. Essa empatia escritor-leitor pesa muito em nosso
julgamento. A estratégia é conquistar-nos o mais rápido para manter-nos ao lado
dela. Por isso ela busca simpatia e nivelar o sentimento dela com o nosso desde
o título. Mais adiante, uma inversão de frase – outra técnica que, bem executada,
não falha: transforma uma frase comum em frase poética. Ao invés de “existem muitas
histórias escondidas entre as páginas de um livro”, ela diz: “existem muitas
histórias entre as páginas dos livros, escondidas”. Muda o tom. Essa vírgula colocada
depois de “livros” é facultativa. Mas, colocada, provoca uma quebra oportuna no
ritmo da leitura reforçando o jeito poético da frase.
Vou apresentar só mais dois casos. Chamo a atenção para as metáforas
que ela esbanja no texto: “gosto de escrever na tela do meu notebook, tocar
este piano de palavras no teclado”, ou então “sou, imagino, para escrever
assim, nos de repentes, uma guardadora de lembranças, uma pastora de
paisagens”.
O segundo destaque é outro afago no leitor. “Escrevo para pessoas, mas,
juro, gostaria de escrever para a criança que há em você e em mim”. Depois de outras
mágicas com palavras, que ela foi criando sem projeto, na medida em que lhe
saíam da cabeça, ela termina amarrando o final do texto com o início, lá em
cima, no mesmo tom: “E porque havia tanto trabalho, escrevi esta crônica sem pé
nem cabeça” (mas, com alma e coração). “Da próxima vez prometo melhorar”.
Abaixo, o texto que gerou o comentário:
"Da próxima vez prometo melhorar"
(Esther
Rosado, psicanalista, professora de literatura e redação)
Há
tanto trabalho sobre a mesa que recuo: tão difícil escrever e ver a poesia que há
no mundo.
Sobretudo
nos dias nublados como esses, quem disse que o trabalho rende?
Então,
faço arrumações de gavetas, penduro roupas nos armários e o mundo gira suas
voltas de alegrias, tristezas e grandes gargalhadas.
Sou,
imagino, para escrever assim, nos de repentes, uma guardadora de lembranças, uma
pastora de paisagens, uma colecionadora de
assuntos e temas improváveis guardados todos nas gavetas da memória.
Há
trabalho atrasado sobre a mesa, mas gosto de escrever no branco da tela do meu
notebook, tocar este piano de palavras no teclado.
Então,
apesar da surpresa – ai que susto, tenho que mandar a crônica hoje – escrevo como
quem borda, escrevo como quem ama, escrevo como que chora, escrevo para
pessoas. Mas, juro, gostaria de escrever para a criança que mora em você e em mim.
Começar
assim: era uma vez...
Continuar
assim: uma princesa e seu castelo de jardins maravilhosos…
Tanto
trabalho sobre a mesa, empilho os livros, preciso escrever uma apresentação de
um livro, uma orelha, fazer correção, escrever uma tese, descobrir o mundo.
E o
mundo gira sua canção de caixa de música.
À minha frente, uma pequena folha se agita
ao vento, um jardim e seu perfume, uma libélula e sua asa, um besouro e seu
voo, um pássaro e seu canto.
Então, sei que ainda existem muitas
histórias entre as páginas dos livros, escondidas; são versos ainda sem rima,
são capítulos sem título, são formigas que ainda não nasceram para passear nos
troncos e sobre as folhas verdes.
Tanto trabalho sobre a mesa e tudo se
misturou nesta não-crônica.
Ouço a canção do vento, do friozinho, das
árvores lá de fora.
Ouço a canção do mundo.
De um lado, uma canção de ninar; do outro,
tristes e tantos acontecimentos. Mas tudo é assim: um lado e outro.
E porque havia tanto trabalho, escrevi esta
crônica sem é e sem cabeça. Da próxima vez, prometo melhorar.
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