Se beber, não redija!
Naquele tempo existia em São Paulo a Central de Polícia. Ficava no Pátio do Colégio. Ali eram registradas todas as ocorrências policiais da capital que também eram disponibilizadas para a imprensa no final do dia.
Havia na Central uma sala equipada com máquinas de escrever (lembra-se delas?) para uso dos jornalistas. Todo final de tarde eles passavam por lá, mariscavam as ocorrências dos boletins para transformá-las em notícias a serem publicadas nos respectivos jornais que lhes davam emprego. Para isto, eles faziam uma redação prévia ali mesmo na sala de imprensa em que cada texto era geralmente escrito várias vezes até ficar bom, o que gerava muitas folhas com rascunhos que ficavam largadas e espalhadas pelas mesinhas do recinto.
Um dos jornalistas, cujo nome esqueci – só me lembro do apelido: “Chichilo” –, ficava mais tempo num bar próximo tomando cerveja que na Central consultando boletins. Quando todos já haviam selecionado as ocorrências e gerado as sobras de textos, chegava Chichilo e vasculhava os restos de escritos abandonados pelos colegas para montar “sua matéria". Chichilo quase nunca se dava ao trabalho de consultar os boletins policiais. "Pra que, se estava tudo ali?", dizia quando lhe questionavam pela prática.
2
Certo fim de tarde, ele espichou o papo no bar e atrasou mais que de costume. Chegou à Central quando os últimos colegas já estavam de saída. Chichilo iniciou o exame dos rascunhos na maior pressa. De repente, depara com o registro de um fato “cabeludo”; daqueles de estourar manchete: Um suplente era suspeito de haver matado o vereador para assumir o cargo em seu lugar. Estava ali a notícia todinha, cheia de detalhes, em três ou quatro laudas espalhadas pelo recinto com depoimentos de delegado, da viúva da vítima e de alguns dos envolvidos. Chichilo nem leu até o fim. Por causa do adiantado da hora, juntou a papelada e decidiu escrever o texto na redação em que trabalhava para “segurar” a edição do jornal e garantir bom espaço para "a bomba".
Não deu sorte. Chegou lá quando o jornal estava praticamente fechado. Terminaram mais cedo; problemas na oficina. Chichilo, inconformado, armou o maior barulho, mais para disfarçar o atraso que por zelo profissional. Dramatizou, sem sucesso, ao lamentar exibindo as laudas escritas que pegara na Central: “tanto trabalho em elaborar os rascunhos e uma notícia daquela envergadura, tudo perdido”, dramatizava como se os escritos fossem dele.
Tanto fez que acabou irritando-se com a própria mentira e, com raiva de verdade, virou as costas e saiu bufando sem falar com ninguém. Tão contrariado estava Chichilo que esqueceu em cima da mesa os papéis que trouxera da Central; os tais rascunhos que gritava antes serem seus.
No dia seguinte, foi chamado logo cedo ao jornal para ser informado de que estava demitido. Procurou o chefe e defendeu-se dizendo que não via motivo para perder o emprego só por ter levado “um furo”; que culpa teve ele do jornal fechar mais cedo? questionava. O chefe interrompeu a lenga: “Fica frio, Chichilo; não houve furo. Nenhum outro jornal publicou essa matéria”, – esclareceu o chefe, entregando ao demitido, para que o lesse, um dos rascunhos esquecidos na noite anterior.
Foi aí que o malandro entendeu a fria em que se metera. Os colegas da Central de Polícia, com pouco serviço no dia anterior, inventaram e escreveram a tal notícia-bomba e largaram as folhas datilografadas sobre as mesas, como se fossem rascunhos, para dar uma lição ao folgado. Uma brincadeira leve, pois ali mesmo, no rodapé da última lauda (Chichilo na pressa não havia lido todas até o fim), estava o desmentido: “Esta notícia é fria, seu palerma, pra ver se você deixa de abusar da gente. De hoje em diante, quando for beber, não redija – não às nossas custas!”, advertia o texto. Por azar, o chefe leu os rascunhos na íntegra; ele não.
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