quinta-feira, 9 de junho de 2016

A leitura da moça

José Luiz Bednarski
Na postagem de 31 de maio, lancei um desafio aos colegas de academia para que fizessem uma análise “sherlockiana” do quadro “Moça com livro” do pintor Almeida Júnior reproduzido abaixo. O acadêmico José Luiz Bednarski respondeu com o texto abaixo intitulado “A leitura da moça”. Vamos aguardar um pouco a ver se chegam outras colaborações. Enquanto isso, você pode também enviar uma colaboração que vai dar um prêmio simbólico e um certificado de participação ao texto mais interessante. Leia instruções na postagem do dia 31.

 ^^^^ Ilustração proposta para análise
         
Eulália, enfim, encontrou um lugar tranquilo. A vista da cobertura é aprazível. De um lado do edifício Mansão do Vale, lobrigou o novo reservatório do SAAE, que armazena água pura e cristalina. Doutra banda, a paisagem era o improvável esqueleto da ampliação do Fórum, cujos rumores dão pela falta de gimbo.
          Pela primeira vez no ano, ali no topo do prédio onde morava, a jovem sentia-se livre. Seu perseguidor não poderia alcançá-la. Poderia ler em paz a nova coletânea de textos da Academia Jacarehyense de Letras e vagar pela imaginação de sacis, cordéis, coelhos azuis e o entrelaçar das almas na sublime canção do sonho acabado.
          O assédio começara no dia de sauna mista do Trianon. O olhar ominoso do homem coleava pelas estonteantes curvas ebúrneas de Eulália. Foi paixão imediata. O cinquentão passou a segui-la como uma sombra. Chamava a ruiva de Rapunzel e tentava tocar as longas melenas da moça assustada.
Inspirado pela Cantata de Natal, da janela do Museu, no Dia dos Namorados, declamou poemas arrebatadores de amor para a pretendida, que morava no segundo andar. A poesia era de Mário Werneck, mas o javardo disse que era dele próprio, tentando impressionar a presa encabulada, que fechou a janela.
Ela frequentava a Noite de Seresta Darcy Reis. Deixou de ir por causa do destabocado que convenceu Dona Telê a deixá-lo cantar Eu Sonhei Que Tu Estavas Tão Linda, de Lamartine Babo. Durante a apresentação, ele fixou o olhar na amada, que saiu à francesa.
Ela gostava de ler e pegava livros emprestados na biblioteca circulante Macedo Soares. Ele ficou sabendo e descolou um cargo comissionado na repartição, só para dar cargas e baixas com desvelo nas obras escolhidas. Acabou que Eulália nunca mais voltou e ele passou o período de propaganda eleitoral chacoalhando bandeira para o patrão, debaixo de tempestades e sol inclemente.

Ele era insistente, não se cansava e isso irritava a moça. Felizmente, depois de tanto tempo, a rapariga conseguia driblar o pretendente e afinal encontrou a paz de sua ausência. Mas a solidão inquietou: "Onde estará ele? Pensa em mim?".

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