Beatriz: enredo surpreendente
A última vez que me recordo ter sentido forte impacto provocado
por um texto de ficção faz mais de dois anos. Foi ao ler pelo celular as
primeiras páginas de certo livro eletrônico. Eu me dirigia de ônibus a São José
dos Campos e, a fim de matar o tempo, rolava textos e imagens pela tela do
aparelho. A certa altura surgem umas páginas iniciais de um livro, desses cujos
trechos são exibidos como amostra; nem me lembro do nome. Fui atraído pelo
enredo e traído por minha defesa antimarketing
eletrônico e passei a ler.
Era na Idade Média. O personagem narrador, um jovem soldado,
aguardava morte certa, postado em um ponto estratégico da cidadela que lhe
cabia defender. O inimigo, que invadiria o local a qualquer momento, era
numericamente maior e já tinha dizimado quase todo o exército aliado em
seguidos confrontos. Restava somente aquele frágil e esgotado contingente de
homens ali abandonados. Morreria lutando, sem alternativa.
A diferença do livro era a narrativa ser feita do ponto de
vista de um simples soldado, o que foge ao comum dos textos do gênero.
Normalmente, tais histórias são contadas a partir de um comandante, de uma
pessoa de destaque no cenário descrito ou de um narrador onipresente e neutro. Nessa
obra, não. O narrador era um raso militar abnegado e solitário a passar pela
experiência de uma fatalidade prevista. O soldado revelava suas fraquezas
disfarçadas ou sufocadas por duras crises de consciência que lhe cobravam uma inumana
valentia imposta pelo “dever”. Muito bem narrada, a construção literária fazia,
de imediato, o leitor incorporar-se no personagem angustiado e sofrer com ele. Numa
leitura, quando isto acontece, o leitor está fisgado para ler o livro todo.
Há menos de uma semana, fui surpreendido por outro texto
impactante. A jovem escritora Beatriz Barreto, em visita que fez à Academia
Jacarehyense de Letras, me deu de presente um exemplar de seu primeiro livro
“Agora”, publicado em 2016 pela Editora Coerência. Dois dias depois, em manhã
tranquila de sábado, pude ler o trabalho. Não passei do segundo capítulo, pouco
mais de 20 páginas, para ter a mesma sensação do texto lido no ônibus a caminho
de São José. Precisei, então, de me predispor para ‘enfrentar’ as emoções que o
início da leitura já sinalizava que certamente viriam.
O personagem narrador, Marco, é um menino de quatro anos, extremamente
apegado à irmãzinha Maria, dois anos mais nova. Ambos moram só com a mãe. Certo
dia, sem qualquer motivo aparente para ele, ambos são levados por ela para um “passeio
surpresa” e abandonados em um orfanato. Nunca mais viram a mãe nem souberam
dela.
Não vou contar toda a história, não vem ao caso. O objetivo
é comentar o novo e agradável encontro com aquela arquitetura literária diferente
que me pegou pelo texto lido no ônibus, conforme contei no início. A narração
da história é toda feita pelo menino abandonado pela mãe, com a
responsabilidade que se auto impôs de cuidar da irmãzinha, vivenciando o dia a
dia de um orfanato e a ausência de um pai que jamais conhecera.
Apesar de tudo, Marco é um garoto cheio de sonhos e
esperanças. Essa ideia de ver o mundo através do inusitado pega o leitor e o
faz encarnar o personagem principal e vivenciar a história, como se o fato
acontecesse consigo. Beatriz Barreto, hoje com 13 anos, escreveu o livro aos 12
e nele deixa a mensagem que nunca desistamos de nossos sonhos: “O futuro sempre
está começando agora”, diz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário