Minha volta no tempo aconteceu no início
da noite de uma quarta-feira de maio de 2017. Eu participava de uma oficina de
literatura ministrada na velha estação ferroviária de Jacareí (SP) quando o
instrutor lançou o desafio geral: "escreva o que você vê da cadeira onde
está sentado".
Estávamos na dependência onde fora a
bilheteria. Em 1998 a MRS Logística, que adquiriu a concessão da ferrovia da
Rede Ferroviária Federal, extinguiu o trem de passageiros e logo em seguida o
ramal de Jacareí. A estação ficou abandonada até passar para a Fundação
Cultural que se instalou em três prédios situados no hoje Pátio dos Trilhos. Um
deles era o que estávamos.
A sala é grande, alta, com pé direito de
quatro metros e portas de madeira escura maciça e envernizada, com caixilhos
fixos na parte superior para ajudar na iluminação do ambiente. Os ladrilhos
importados (provavelmente portugueses), compunham o velho piso. Boa parte deles
substituída por um cimentado rústico, ainda resistem ao passar dos anos sem
perder a dignidade de dar o toque decorativo à antiga sala dos bilhetes.
Demorei alguns minutos na escrita sobre
aquele piso que me remetia ao passado, quando fui interrompido por um
burburinho frenético de pessoas, chiado de caldeira, música de viola, troca de
cumprimentos. Olho para a sala e vejo a minha frente o bilheteiro a vender
passagens aos últimos passageiros que iam embarcar num trem ali estacionado,
cuja presença dei-me conta por uma parte dos ruídos, pois os janelões estavam
fechados. O homem executava o trabalho com rapidez e concentração, mas sem
perder os toques de cortesia típicos de quem leva a sério o cargo que exerce.
"Pois não, doutor Aníbal, aqui está sua passagem, boa viagem", dizia
para um e, logo em seguida, para outra, "olá, dona Dorinha! Não fique
aflita, o trem espera! Pronto, está aqui sua passagem... Oh! não tem mais
trocado? Dou um jeito: pronto, aqui está seu troco, boa viagem, passar
bem!"
Olho através do corredor à minha frente,
que dá acesso ao saguão principal e noto que o movimento de passantes diminuía
gradativamente: o vendedor de "biscoutos", parara de gritar o
produto, o violeiro acabara de cantar a última música e guardava o instrumento
quando ouviu-se um apito agudo e longo; era o segundo: "o trem vai
sair", pensei.
Levantei a cabeça bruscamente e vi que na
sala todos colegas da oficina há tinham terminado o próprio texto me olhavam já
com certa impaciência pela demora que eu mantinha em terminar o meu. Meio
encabulado, pedi desculpas, dei uma explicação qualquer e fechei o caderno. Lá
fora, ouvia-se barulho dos carros passando pela rua ao lado, mas os grilos
ainda cantavam ao redor da velha estação. Era o que restava da poesia do Pátio
dos Trilhos, que teimava em resistir.
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