quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Samuel e os doutores da Lei



A coincidência dos fatos aqui descritos é apenas curiosidade, embora haja a crença de que “o dia-a-dia também nos conta histórias”. Quem tiver “olhos para ouvir, leia” diria o poeta surrealista; porém, prefiro acreditar na obra do acaso; a vida já é complicada o suficiente para que eu tome seu tempo semeando confusão.
 Aconteceu em 17 deste dezembro, uma linda tarde ensolarada de domingo, quando a Academia Jacarehyense de Letras realizou festa de confraternização. O local foi o recanto paradisíaco do casal Sandra e Ronald, em Santa Branca, no limite com Jacareí demarcado ali pelo Rio Paraíba do Sul. Sandra, uma de nossas acadêmicas, ofereceu-nos graciosamente a casa ribeirinha para o evento. ‘Graciosamente’ é pouco; no 'pacote' vieram bolo, bolinhos, biscoitos, salgados de forno, quitutes e que tais. Sem falar numa chopeira exclusiva na qual nos servíamos à vontade.


No local, o rio faz uma curva em "S"

MOMENTO DE 'JOGAR CONVERSA FORA'
​A certa altura, elegemos um ponto estratégico da ampla varanda em “L”, com vista para o rio, a fim de trocarmos impressões sobre o local. Depois, a conversa enveredou para outros temas inspirados na beleza do cenário. O Paraíba ali se desenha bucólico em suave “S” – coisa linda de se ver. O “L” da varanda e o “S” do rio deram o toque literário apropriado.

Estávamos em um grupo de oito escritores. Havia ainda professor, jornalistas e um advogado famoso na região, Dr. Maurício, respeitado por todos pela reputação profissional, lucidez e energia que dele emanavam aos 85 anos. Claro que Maurício dominava nossas atenções até pela vivência que demonstrava nas narrativas tanto jurídicas quanto da história da cidade. As idades dos demais participantes estavam acima dos 45, exceto a do jovem Samuel, filho de Salette, de 13 anos.

VELHO MUNDO QUE SE REPETE
 Eu havia me retirado da varanda por cerca de 15 minutos e quando retornei tive uma surpresa. Quem conduzia a conversa naquele momento não era mais o sábio advogado veterano, e sim o menino Samuel para o qual todos olhavam atentos com admiração e faziam perguntas sobre o que ele explicava. Inclusive o Dr. Maurício. A todos, Samuel respondia com firmeza e tranquilidade incomuns para alguém de apenas 13 anos.


Samuel roubou a cena com seu linguajar tecnológico

O tema da conversa era outro. Falava-se de jogos eletrônicos para computador, das características e respectivas tecnologias, assunto, diga-se, 'indiscorrível' para quem já passou dos 40. Salvou-nos o professor Mário, que durante um bom tempo deu aulas de Tecnologia da Informação na Univap (Universidade do Vale do Paraíba). Mário foi nosso mediador improvisado, que também explicou-nos palavras que, para muitos (nos quais me incluo), soavam estranhas, tipo “cheat, gamers, cutscenes, let’s play, skin, speedrum”, e tantas outras que ele nos explicava como podia para que entendêssemos como desse.

CLIMA DE NATAL
Já estávamos em clima de Natal e, talvez por isso, me veio à mente um dos poucos episódios da Escritura Sagrada que relatam a infância de Jesus de Nazaré. Está registrado no capítulo 2º do evangelho de Lucas: Levado pelos pais, José e Maria, que haviam participado da confraternização da Páscoa em Jerusalém, como era de hábito naquele tempo, o menino Jesus, então com quase a idade do nosso Samuel, 12 anos, não estava com os demais na caravana que retornava para Nazaré, já na saída de Jerusalém.
Os doutores ficavam admirados com que o menino Jesus dizia

Depois de voltarem para procurar Jesus, encontraram-no falando aos doutores da Lei, no templo. O menino respondia a perguntas sobre as Escrituras, de modo semelhante ao que Samuel explicava, em Santa Branca, 'games eletrônicos' aos doutores de outras leis. E, igual aos de Jerusalém, os 'doutores' de Jacareí também se admiravam do que falava o jovem Samuel, 2 mil anos depois no moderno ‘templo de amor fraterno' disponibilizado aos acadêmicos pelos anfitriões.
Notava-se nas expressões do Dr. Maurício, Geraldo, Paulo, Mário, Waldir, Cristina, Sandra, Dinamara e outros que estavam ao redor que algo neles havia mudado; no mínimo o conceito sobre o ‘poder’ que jovens inteligentes exercem sobre nós adultos sempre que lhes abramos oportunidades –, melhor dizendo, 'abramos nossos ouvidos', no caso.

QUESTÃO DE TEMPO, TEMA E LUGAR
Você deve estar perguntando "o que tem um fato a ver com aquele outro?!"
Sem situar cada história no seu devido tempo, espaço e contexto, nada. Porém, se olharmos para dentro de nós em reflexão, tudo. Naqueles momentos mágicos, dois habitantes da terra demonstraram o potencial da inteligência humana. Valeram-se, para isso, da capacidade que todos herdamos do Criador para, explicar, realizar, criar e usufruir do que melhor nos inspira. 
O restante, como o tema, o tempo e o lugar servem para nos dar referencias, mas é sempre a inteligência humana a que provoca as admirações.
 ----
Em Santa Branca, a exuberância da natureza ao redor emoldurava o cenário para valorizar ainda mais a gentileza com que fomos agraciados por Sandra e o Ronald. Em Jerusalém, a missão do Deus menino foi anunciar para que todos preparassem o melhor de si para o que ainda viria séculos a fora.

Quanto aos temas desenvolvidos pelos protagonistas das histórias, são bons, mas nada mais são que temas que podem a qualquer instante ser superados -- como a maioria o é. Porém, a inteligência que os gera é o que conta. Tanto assim, que hoje (voltemos para Santa Branca), pouco tempo depois, nos lembramos mais das pessoas que ali estavam do que os detalhes dos casos ali discutidos.

Da varanda em "L" vê-se o rio em uma curva em "S"

Em Santa Branca, Jerusalém ou nos incontáveis pontos de acontecimentos semelhantes que mudaram e continuarão a mudar o mundo; sempre as ações humanas é que potencializam a capacidade criadora e imaginativa da mulher e do homem. São amostras constantes a valorizar o que está dentro de nós desde o primeiro ser humano. Como se fossem lembretes divinos de que somos uma grande força criadora.

Talvez tenhamos vivido naquela confraternização de domingo em Santa Branca não uma, porém várias confraternizações: a da experiência jovem com a madura; a do Novo com o Velho Testamento e tantas outras não aparentes, porém não menos maravilhosas que ainda descobriremos.

A época do Natal é apropriada para essas coisas.

Nenhum comentário: