Li no recente livro do Frei Betto, 'Ofício de escrever'*,
confissões que ele faz sobre o segundo sacerdócio a que se dedica: o de
escritor. Hoje, aos 73 anos, o militante da 'Teologia da libertação', afirma,
dentre outras explicações, que é por meio da escrita que ele recria o mundo.
Talvez seja essa a principal
atração que exerce sobre nós o ato de escrever, ou seja, o de criarmos um
mundinho só nosso e, claro, à nossa maneira. Para ele, escrever é uma coisa tão
íntima que prefere fazê-la isolado do mundão em que vive - altas horas da
noite, se for preciso.
Frei Betto ao escrever de seu
mundinho o trecho que destaco, brinca com as palavras para mostrar que nessa
pátria imaginária ele faz e desfaz o texto como lhe der na telha - numa
prerrogativa de "clone de Deus", como ele mesmo se denomina. "No
princípio era o Verbo e o verbo se fez carne" escreve, referindo-se ao
prólogo do Evangelho de São João. No princípio era a 'verba' - escrevo eu agora
como exemplo - e a verba se fez carne e a carne fez mais verba até o
esquema ser barrado pela Polícia Federal; os irmãos Batista da 'JBS' que o
digam.
Duas outras observações chamam
à atenção: uma delas é a importância do contexto tanto para quem escreve quanto
para quem lê. Exemplifica: "Um alemão tem mais condições de desfrutar da
leitura das obras de Goethe que um brasileiro. Este, por sua vez, ganha do
alemão ao incursar pelos grandes sertões e vereadas de Guimarães Rosa",
explica Frei Betto. Isto me encoraja a defender que escrevamos mais sobre o
lugar em que vivemos quando o alvo da escrita, o leitor, for nosso concidadão.
A outra obervação relevante é a
explicação que ele dá sobre a prática: "Escrevo, enfim, para extravasar
meu sentimento de mundo" e porque "não sei fazer outra coisa nem vejo
motivo para deixar de fazê-lo".
Depois de essas e outras
explicações não menos perturbadoras sobre o impulso de escrever ele ainda
continua a perguntar: "por que escrevo?".
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*Editora Anfiteatro, 2017.
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