domingo, 10 de setembro de 2017

Por que escrever?

(Frei Betto)


Li no recente livro do Frei Betto, 'Ofício de escrever'*, confissões que ele faz sobre o segundo sacerdócio a que se dedica: o de escritor. Hoje, aos 73 anos, o militante da 'Teologia da libertação', afirma, dentre outras explicações, que é por meio da escrita que ele recria o mundo.

Talvez seja essa a principal atração que exerce sobre nós o ato de escrever, ou seja, o de criarmos um mundinho só nosso e, claro, à nossa maneira. Para ele, escrever é uma coisa tão íntima que prefere fazê-la isolado do mundão em que vive - altas horas da noite, se for preciso.

Frei Betto ao escrever de seu mundinho o trecho que destaco, brinca com as palavras para mostrar que nessa pátria imaginária ele faz e desfaz o texto como lhe der na telha - numa prerrogativa de "clone de Deus", como ele mesmo se denomina. "No princípio era o Verbo e o verbo se fez carne" escreve, referindo-se ao prólogo do Evangelho de São João. No princípio era a 'verba' - escrevo eu agora como exemplo - e a verba se fez carne e a carne fez mais verba até  o esquema ser barrado pela Polícia Federal; os irmãos Batista da 'JBS' que o digam.

Duas outras observações chamam à atenção: uma delas é a importância do contexto tanto para quem escreve quanto para quem lê. Exemplifica: "Um alemão tem mais condições de desfrutar da leitura das obras de Goethe que um brasileiro. Este, por sua vez, ganha do alemão ao incursar pelos grandes sertões e vereadas de Guimarães Rosa", explica Frei Betto. Isto me encoraja a defender que escrevamos mais sobre o lugar em que vivemos quando o alvo da escrita, o leitor, for nosso concidadão.

A outra obervação relevante é a explicação que ele dá sobre a prática: "Escrevo, enfim, para extravasar meu sentimento de mundo" e porque "não sei fazer outra coisa nem vejo motivo para deixar de fazê-lo".

Depois de essas e outras explicações não menos perturbadoras sobre o impulso de escrever ele ainda continua a perguntar: "por que escrevo?".

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*Editora Anfiteatro, 2017.

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