sexta-feira, 22 de abril de 2016

O alienígena





Ali pelos anos 1970, eram comuns as associações de estudos sobre discos voadores, abduções e supostos visitantes de outros planetas com a missão bisbilhotar o que nós terráqueos fazemos por aqui. Hoje, essa prática é bem mais discreta, como se outros mundos e seus eventuais habitantes tivessem perdido o interesse por nossas peripécias. Também existiam indivíduos dessas associações que exageravam nas pesquisas e se tornavam fanáticos a ponto de, os mais frágeis, entrarem em parafuso e necessitarem de assistência médica ou psicoterapêutica para voltar ao normal.

Meu amigo Sérgio Lima era membro ativo da confraria “Não Somos os Únicos”, cuja sede ficava na parte nobre do bairro Vila Mariana, em São Paulo. Certa vez contou-me que estava preocupado com o presidente da entidade, professor Seveso Bastos, que não passava bem. Bastos estava à beira de um colapso mental por se dedicar, havia anos, a frustradas tentativas de atrair a visita de um extraterrestre à entidade; unzinho que fosse, mas não havia jeito. Para o professor, a presença de um E.T. na sede da Não Somos os Únicos seria demonstração de respeito à confraria presidida por ele e ficaria consolidada a convicção que todos mantinham sobre a existência de vida inteligente universo a fora.

Desafortunadamente para Bastos, nenhum extraterrestre havia atendido suas tentativas de contato até então, deixando-o em situação ruim perante seus seguidores cujos mais críticos já insinuavam que “somos sim os únicos". Um contato imediato, e o mais imediato possível, portanto, começava a tornar-se questão de honra.

Tanta expectativa acabou por provocar no professor Bastos um esgotamento nervoso sério que exigiu cuidados especiais. Lima disse que depois de uma semana internado em um hospital paulista foi recomendada a Bastos uma temporada de repouso fora da capital. Como meu amigo tinha dois apartamentos em prédios de Ubatuba, cidade do litoral norte paulista, e um deles vago, convenceu o presidente e a mulher que passassem uns dias nele. Ficava na região central com frente para a praia, fácil acesso aos melhores pontos do comércio e outras regalias, ideal para uma revitalização psicológica. Aceita a oferta, lá se foram o professor Bastos e a mulher ao encontro da brisa marinha e do sol da avenida Iperoig, em Ubatuba.

O contato

O outro apartamento de Lima ficava distante cerca de 20 quilômetros do primeiro, na praia de Maranduba. Era habitado havia algum tempo por um irmão dele, Ângelo, de seus 40 anos e que cuidava dos interesses de Lima no litoral em troca de casa, comida e uma pequena ajuda financeira. Ângelo nascera surdo-mudo e comunicava-se por sinais e sons que emitia sem nexo porque jamais havia tido um aprendizado típico para esses casos. Lima citou o irmão, de passagem, para a mulher de Bastos, mas disse que não se preocupasse porque raramente ele ia ao centro e, se fosse, o zelador do prédio se encarregaria das explicações.

Porém, uma dessas “raras vezes” que Ângelo ia à região central aconteceu dois dias depois da chegada do casal a Ubatuba. Começava anoitecer e ele voltava a pé pela Iperoig, rumo à estação rodoviária, quando viu luz acesa no apartamento do irmão. Ângelo imaginou que Lima e a família estivessem ali e resolveu subir para uma "mordida" financeira de praxe. Como era conhecido do zelador, não teve problemas para entrar, subir a escada rapidamente até o segundo andar do pequeno prédio sem elevador. Tocou a campainha e Bastos atendeu. Ângelo, ao ver o estranho, emitiu um grunhido misto de surpresa e decepção, o bastante para Bastos agarrá-lo pelo braço e eufórico gritar: “Eu sabia que você viria! Eu sabia!”.

Ângelo, que nada ouvia, não sabia o que fazer. Com medo de ser confundido com um assaltante ou coisa parecida, apontava desesperadamente para cima querendo dizer que o zelador, que morava no último andar, o conhecia. Para isto, apontava para si e para o alto, o que deixava Bastos mais eufórico: “eu sei que você veio do céu, eu sei, entre e fique aqui!”, dizia, ao mesmo tempo em que puxava o assustado Ângelo para dentro. Nisso, chegou a mulher, também com medo, mas menos influenciável pelas ideias do marido, e disse com voz firme o que a maioria das mulheres dizem em situações como essa: “pare com isso, Bastos o que vão pensar de nós os vizinhos?” Bastos, impactado, caiu em si por um instante e soltou Ângelo que aproveitou o momento para escapulir e desaparecer dali com a maior velocidade que conseguiu. Diga-se em justificativa à atitude do professor que o tipo físico de  Ângelo o comprometia. Rapava o pouco cabelo que tinha, era baixo, atarracado e excessivamente queimado de sol. Uma figura que alguém perturbado da cabeça confundiria como o que melhor lhe conviesse, menos com um ser humano normal.

Acabou naquele momento a temporada litorânea de recuperação do professor Seveso Bastos, cujo quadro de saúde piorou ainda mais. Lima deixou a confraria chateado com o ocorrido. Outros foram se desligando aos poucos até que ela se dissolvesse por falta de seguidores e de pagamento do aluguel da sede. Lima atribui o episódio ao costume humano de se preocupar com os extraterrestres em meio a tantos problemas com os terrestres. Bastos morreu alguns anos depois, ingratamente convencido de que Lima queria mesmo era seu lugar na presidência da Não Somos os  Únicos, e tramou a farsa. Ângelo morreu na virada do século sem ter entendido nada do episódio (na verdade nunca se interessou). Lima está por aí dedicando-se à pintura em porcelana. 
                                                                                                                                                             




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