
O pintor Walter Handro
Meu amigo,
Walter Handro, mora em São Paulo e é pintor de quadros. Tem vários trabalhos
premiados em exposições e um deles me toca muito. É da série impressionista "paisagem urbana" que retrata uma
favela típica com barracos coloridos em traços disformes para dar o clima propício. Vejo no
quadro a mulher com lata de água na cabeça, grávida, acompanhada por uma
garotinha mirrada, de seus cinco anos, que a segue saltitante segurando uma
bonequinha tão pobre quanto as duas. Um cachorro vadio, esquálido, modorreia ao
sol que castiga àquela hora. Mais adiante, homens em pé fazem samba ao redor de
um negro com vermelhos nos olhos que se esforça para acompanhar a cantilena ao violão.
Há mulheres debruçadas
em uma ou outra janela; outras que mal aparecem pelas portas sempre abertas e crianças que levam tabefes e choram. Outras, ajudam levando lixo aonde parece ser o canto em que os moradores descarregam
o quase nada que lhes sobra da pobreza. Enfim, são centenas de flagrantes da vida de
gente que toca o dia-a-dia quase que por milagre. Não há bandidos nessa comunidade. Na
desse quadro, não.
Essa pintura
mexe comigo. Às vezes “viajo”, ao
contemplá-la, imaginando a adolescente de 15 anos cheia de sonhos que logo vai estar
prenha e abandonada por quem a engravidou. Vejo certa mãe que lava roupa pra fora, cuida da penca de
filhos e mal ganha pra comer.
Relato essas
coisas para comentar uma característica das pinturas de Walter Handro: embora
ele jamais retrate pessoas ou qualquer ser vivo em seus quadros, a gente “vê” as pessoas ali. O quadro que acabo de descrever pertence a uma série de favelas que Handro pintou, só mostra os
barracos, nada mais.
Falei sobre isso numa exposição de artes, certa vez. Um crítico me explicou que se
trata de uma característica de raros artistas, cujos trabalhos sugerem vidas e outras imagens através da composição de quadros que não as têm. “Talvez uma das
características pouco exploradas da arte, já que não são todos os artistas que atingem um estágio avançado desses”, comentou. Pensei reproduzir o trabalho aqui, mas faço diferente: sugiro que você “veja” a pintura, embora o quadro não esteja presente, e
nele os barracos. Com um pouco mais de concentração, vai ver também, segundo seu conhecimento de mundo, pessoas no
cenário. Questão de treino, ou melhor, de botar sentimento pra fora; tente.
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