terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Avenida Paulista só para pedestres


Cantor solo apresenta seu som na calçada


O domingo na Avenida Paulista sem carros é uma
emocionante aventura de surpresas e carências

No ensolarado domingo, 17 de  janeiro de 2015,  fui conhecer a Avenida Paulista sem os milhares carros que a entopem todos os dias desde sempre. Ainda não havia passado por ela depois de implantado esse novo perfil provocador de polêmicas, mas que pegou.

A principal via pública da Capital havia tempo vinha sendo tomada por artistas diversos e vendedores quinquilharias em cautelosas disputas de espaço com pedestres e com automóveis. Jamais havia imaginado apreciar o que vi naquele primeiro contato com a novidade. Livre de automóveis e gente apressada, aos domingos a Paulista é quase três quilômetros de povo alegre, bonito e - o melhor de tudo - sem pressa.  Gostei de pronto e, parece, a maioria de quem a vê assim pela primeira vez também.

Inicialmente, muitos, como eu, diante do impacto inicial não sabem exatamente o que fazer com a liberdade de circular, parar, formar rodinhas, sentar-se no meio da pista e até se deitar no chão para ver os altos edifícios ao redor, se quiser. De fato, custa um pouco acreditar que aquilo tudo seja de verdade. 


Se a caminhada der fome, há ofertas de comida para todos os gostos. Bares, cafeterias, lanchonetes, agrupamentos de “food truck” ajeitam-se nos espaços permitidos na própria avenida ou nas dezenas de vias laterais. 

Mini passeatas também são comuns. Vi duas. A de um sindicato de trabalhadores em museus (!), com cerca de 20 pessoas, e uma de protesto “pela libertação da Síria” com gritos, cânticos e palavras de ordem ditos em árabe cujo teor obviamente não pude entender (e acho que ninguém ali parado para vê-la passar entendia). Apesar disso, todos nos mostramos solidários e com uma apropriada expressão no rosto.

Um músico solitário cantava bonito ao estilo country na porta de um banco acompanhando-se à guitarra. Outro, metros adiante, cantava mal e sem estilo ao lado de uma banca de jornal, mas nem ele nem ninguém que o assistia se importava com a qualidade sonora. Em frente ao Parque Siqueira Campos (área verde que avança dois quarteirões sobre o Túnel Nove de Julho a partir do Museu de Arte) o quarteto “Meninos da Rua” executava jazz ao estilo New Orleans; Maravilhoso! O povo vibrava sem perceber que pisoteava um poema escrito a tinta branca na calçada.

A alguns passos dali, um lavrador com cara de oriental abrasileirado vendia, coado na hora, um café meio ruim de sabor e consistência, mas paulistanos, em fila, esperavam cerca de dez minutos para conseguir uma xicarazinha a R$ 4, e tomava aquilo com admiração. Tomei um e quis saber o motivo da admiração: “Ele mesmo planta, colhe, torra, mói, traz aqui pra avenida e prepara pra gente na hora”, explicou-me um jovem que acabava de sorver a gororoba com respeito religioso. “O que vale é o contexto”, filosofei conformado sem muita convicção, mas, confesso: a mim, que vivo em Jacareí, foi difícil disfarçar uma emocionada cara de dó por constatar como é sentimentalmente carente o paulistano comum.


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