Batalhas do cotidiano
Por volta das 9h do dia 31 de dezembro, fui ao supermercado. Eu havia dividido brindes tardiamente (devia tê-lo feito no Natal) entre o pessoal de serviço do prédio em que moro e faltava um panetone. Cheguei pouco depois de abrir o estabelecimento, ainda com pouca gente, peguei uma caixinha de panetone na prateleira (R$ 9,99) e aproveitei para levar também 1 litro de óleo de soja (R$ 3,35) que, me lembrei na hora, estava faltando em casa.
Assim, corajosamente coloquei meus dois humildes produtos sobre a esteira rolante de um dos caixas, indiferente aos olhares de funcionários e fregueses admirados pela minha ousadia de numa véspera de Ano Novo ir a um supermercado para comprar apenas dois itens que, fossem do que fossem, não somavam 15 reais.
Minha vontade era subir numa gôndola ali próxima e gritar para a loja (àquela altura já com movimento razoável), que eu estava no local apenas para completar uma compra anterior feita nas vésperas do Natal, esta sim de carrinho cheio como todos gostam de ver e exibir. Ficou na vontade porque como não sou bom em falar ao público de improviso achei por bem me deixar quieto.
Na minha frente havia uma única pessoa finalizando a compra. Eu seria o próximo. Meus dois produtos ali, pelo que entendi enfeando a esteira, aguardando a vez sob os olhares disfarçados de quem estava por perto. Segundos depois, chegou atrás de mim um casal, esse sim com dois carrinhos transbordando de itens que dariam para festas, passar o mês e ainda sobrar. O homem, com toda pose que a compra lhe concedia o direito de fazer foi logo descarregando o material sobre a esteira e esta, agradecida, ia se deslocando automaticamente em direção à moça do caixa como se eu e meus dois itenzinhos não existíssemos. Senti no ar um mudo suspiro geral de alívio. A ordem mercantil quebrada por mim fora restabelecida.
Não fui aplaudido - O que se seguiu nem valeria a pena contar. Faço-o em respeito à curiosidade de algum eventual colecionador de histórias de supermercados que, a exemplo dos extintos colecionadores de selos, de tampinhas de cervejas e das antigas carteiras de cigarros, entram em pânico quando não completam uma coleção.
Colaborou para o desfecho, a tal esteira automática que
se deslocava a cada pacote que o homem atrás de mim colocava sobre ela. Até que o
espaço acabou. Meus dois itens ocupavam a justa medida de suas dimensões espremido no início da fila de pacotes (os dois meus e a montanha dos dele). Pensei: “agora
a esteira para e espera eu sair para continuar a movimentar-se em respeito aos meus cabelos brancos”. Engano.
O homem colocou outro desafiador pacote na outra extremidade e a esteira que,
agora já totalmente submissa ao grandalhão parecia sentir-se um tapete mágico, avançou provocadora espirrando o meu panetone
e o meu litro de óleo a uns cinco centímetros para o alto com o impacto do tranco.
Arrá! Fui rápido, porém! (Desconfiado, permanecia em estado de alerta) Peguei no ar ambos os produtos e imediatamente coloquei-os (soquei-os, seria um termo mais apropriado) sobre o monte de compras do casal petulante que entupia a esteira e me expulsava para fora.
Arrá! Fui rápido, porém! (Desconfiado, permanecia em estado de alerta) Peguei no ar ambos os produtos e imediatamente coloquei-os (soquei-os, seria um termo mais apropriado) sobre o monte de compras do casal petulante que entupia a esteira e me expulsava para fora.
Para garantir a estabilidade de minhas duas comprinhas agora sobre a montanha de produtos que me hostilizava, permaneci apoiando-as para
que não caíssem com o próximo movimento da coisa (até me debrucei um pouco sobre
a pilha deles). Esperei a
reação do sujeito à minha audácia, mas sem sequer olhar para ele como se não houvesse mais ninguém ali. Preparei-me para o pior. Nada.
Silêncio absoluto à minha volta. Nem a esteira se atrevia mexer-se mais um milímetro
que fosse.
“O senhor quer CPF na nota?” me perguntou-me quase num sussurro a moça do
caixa depois de segundos de mudez. Ditei-lhe o número do documento
sem a menor pressa. Terminadas as perguntas de praxe ela pegou de cima da pilha, com todo cuidado, o panetone e o óleo, um após outro, fez a leitura de barras, me falou o valor, “R$
13,34”, paguei, ensaquei e saí dali a passos firmes com ar de “comigo tem café no bule!” sem olhar pra
ninguém, mas, confesso, diante do ato esperando aplausos. Não vieram. Gente insensível!
Também, por R$ 13,34, se ainda fosse uns R$50,00. Antes tivesse comprado mais
umas coisinhas...
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