
Pus-me a procurá-las e, de fato, estavam lá:
– Poeta, seus versos seguem a
que escola?
– Tornei-me poeta peregrino,/ borboleta amiga do jardim/ em busca da flor
do amor e do destino.
– Como encontra inspiração
na aridez da política?
– (como) sonhador andante/ a percorrer as estradas intermináveis do desejo.
– É compensador?
– …só encontrei pelo chão,/ em vez da flor do amor, a flor que medra/
fria, dura, sem vida/ – a flor de pedra.
Na
época, na rua Lamartine Delamare, 103, havia um quintal com uma velha e grande
árvore que dava flores amarelas. Na florada, seus galhos carregados de pétalas
atapetavam o asfalto da via como em protesto contra a feiura de uma enorme e velha fábrica vizinha semiabandonada, toda em sujos tijolos à vista. A ação da árvore impedia um
enfeiamento ainda maior daquele pedaço da região central.
Algumas
vezes, precisamos de uma árvore de flores amarelas em nossa vida para amenizar
alguns caminhos feios. A poesia pode ser e é uma dessas, filosofei. Se a
política do país, por exemplo, pertencesse à arquitetura, teria naquela tenebrosa
construção uma convincente representante.
Voltemos à entrevista:
– Poeta, como foi acontecer
de alguém com sua sensibilidade sucumbir ao “canto de sereia” da política?
– Um dia quis fugir dos estreitos limites desta vida
que se esvai…
– Não é comprometer um
passado e um futuro por tão pouco?
– O tempo tudo varre; tudo apaga.
– Todo poeta sofre ou sofreu
por um caso de amor – verdade?
– Amei a vida como jamais alguém amou.
– Você costuma rezar?
– Não pode o ser que padece/ encontrar no mundo prece/ que lhe console o
coração.
– Mas, como alivia, então,
as mágoas?
– …eu sou o sensível que procura nos versos o remédio/ para curar as
chagas deste tédio.
Estava ali uma fórmula de
administrar a vida: versos para salvar a rua feia, para quebrar a monotonia da
vida, para abafar as mágoas do coração. Resolvi, então, forçar o lado prefeito
do poeta.
– Vamos falar um pouco de
administração da cidade. Comenta-se muito o excesso de nomes concedidos às ruas que
aconteceu ultimamente.
– A vida não é feita apenas com os vivos. Vivemos também com os nossos
mortos.
– Agora que seu tempo de
prefeito encerra-se diga umas palavras à cidade.
– Queria que jamais envelhecesses/ e que tua inocência não morresse.
– E o que mais lhe anima
voltar à vida privada?
– Quero reencontrar “do outro lado” a cara do Sol redonda, colorida,
quente!
– Será uma volta com alegria?
– Eu sairei pelos campos com as mãos cheias de flores a espalhar!
– Uma espécie de nascer de
novo?
– Trarei no rosto o sorriso/ da
paz, manso e calmo,/ e meu corpo sem peso/ e sem dimensão/ flutuará nos ares/ sem os meus pesares/
quando o inverno partir.
– Você pretende voltar um
dia à vida pública?
– Talvez algum dia, não sei/ Talvez um dia eu volte,/ talvez algum dia,
/ não sei./ Talvez!
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