Joãozinho flagrou Papai Noel na sala de casa. Passava da
meia-noite, o ambiente escuro, de luzes apagadas, recebia um mínimo de
claridade vinda de fora que penetrava a janela envidraçada. Dava para
identificar bem o vulto do velhinho. Era inconfundível; “um ladrão não perderia
tempo vestindo aquela roupa esquisita”, pensou o garoto. Quando ele chegou
perto da árvore de Natal, Joãozinho viu-o colocar junto a ela alguma
coisa parecida com presente. Foi o momento em que ele, já bem próximo, resolveu dar o
flagra:
– Arrá! Peguei
você Papai Noel!
– Ei, de
onde você surgiu? – disse surpreso o personagem ainda no escuro.
– Eu
estava escondido atrás da poltrona pra pegar você e quase peguei foi o sono ainda há pouco. No
ano passado eu não aguentei; dormi no chão antes da hora e não vi nada.
– Foi. Eu
me lembro – comentou Papai Noel já conformado por ter-se exposto, e continuou –,
mas qual a razão de vir agora atrapalhar meu trabalho? Se eu for falar com as
crianças do meu setor nesta noite atraso as entregas, entende?
– Setor?!
– Sim, “eu
sou muitos”. Você já é grandinho pra acreditar que um Papai Noel sozinho dá
conta do mundo inteiro, não?
– Nossa!
Vocês formam um montão sem tamanho de papais noeis, então?!
– Não somos
tantos assim, mas damos conta. Ainda mais agora que vai demorar a
aposentadoria... Por isso, não posso ficar conversando pelo caminho entende?
– Tá bom.
Mas, meu caso é reclamação; um direito, tá bom?!
– Do que se trata, reclamante? - disse Papai Noel já meio esquentado.
Chega de presente careta –
bola, bicicleta, roupa... Estou dispensando essas coisas.
– E aos oito
anos, você quer o quê, garoto?
Joãozinho
estufou o peito:
– Um
tablet, da êipou (escreve-se Aple, em inglês)!
– Ah, e da
êipou, ainda?!
– É. Quero
um pra arrasar!
– Acho que
você fica é sem presente este ano. Passou do limite.
– Ei!
Muitos dos meus amigos vão ganhar um tablet da êipou! Qual o problema?
– Em
2016?! Rá! Duvido. Sabe quanto custa? Estamos em contenção de gastos. A crise
chegou à Lapônia, minha terra. Em tablete só posso garantir um de chocolate, serve?
Seus amigos podem ganhar o que for, mas não de mim. Ou melhor, de qualquer um
dos papais noeis.
– Por que
isso, agora?!
– Simples,
garoto. Existem presentes que engrandecem e os que nada significam. Os que
engrandecem, são as bênçãos como vida, capacidade de ter sentimentos de bondade, sabedoria, amor ao próximo. Saúde, para
desfrutar tudo isso com as pessoas queridas.
– Nunca vi
nenhuma criança pedir isso.
– Não
precisa pedir. A gente recebe quando nasce. É só cultivar, deixar crescer no
coração e viver corretamente.
– Tá. E
onde entra o tablet?
– Não
entra. Fica de fora.
– Então, e a
bola, o carrinho de plástico, o livro... ?! – disse Joãozinho resignado.
– Essas
coisas, na verdade, não são os verdadeiros presentes. Embora tenham esse nome,
são simples lembretes.
–
Lembretes?!
– É. A
cada ano, na época do Natal, cada um de nós, crianças de todas as idades,
jovens, adultos e velhos, também, recebemos uma dose de reforço das energias
renovadoras do dom da vida.
– Igual quando a gente toma vacina?!
– É mais
ou menos por aí entende?
– Acho que
sim... Sem falar que o carrinho quebra, não é?
– Isso. O
carrinho quebra, bicicleta roubam, tablet fica superado... Mas, a energia
divina, a essência do Natal, permanece sempre forte e renovável. Opa! Acho que
já falei demais. Escuto a sineta do trenó que deixei parado aí na porta. As
renas ficam impacientes quando me demoro. Temos que visitar meio mundo, ainda.
Meio mundo mesmo!
Nisto,
alguém acende a luz da sala e Joãozinho olha para o lado do corredor para ver
quem estava ali. Era Marta, mãe dele, que ouviu vozes e foi ver.
– Acordado
esta hora, moleque? Já pra cama! - disse.
– Vim
falar aqui com o... (Joãozinho olhou para o lado da árvore de Natal, mas, não
havia ninguém na sala além dele e a mãe). Janelas e porta de entrada estavam bem
trancadas. O menino quis explicar para a mãe o que acontecera, porém, desistiu.
Ela não acreditaria mesmo.
Joãozinho caminhou pensativo em direção ao quarto e –
engraçado – sentia-se mais leve, mais responsável apesar de seus oito anos. Nem
se ligou em ver o presente que o velho deixara ao pé da árvore enquanto
conversavam. Só foi lembrar-se na manhã seguinte ao acordar. Foi direto para a sala.
De fato, lá estava alguma coisa caprichosamente embrulhada.
Abriu o mais rápido que pode e... surpresa! Era um tablet – e da êipou!
Percebeu, entretanto, que isso para ele já não tinha mais
tanta importância. Tratava-se apenas de
“um lembrete”, como dissera Papai Noel. Deixou-o cuidadosamente ali para depois
explorá-lo. Naquele momento, foi em direção à cozinha tomar o café da manhã
e, pela primeira vez, sem precisar que a
mãe insistisse. Ele estava crescendo de corpo e alma.
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