Cantor solo apresenta seu som na calçada
O domingo na Avenida
Paulista sem carros é uma
emocionante aventura de surpresas e carências
emocionante aventura de surpresas e carências
No ensolarado domingo, 17 de janeiro de 2015, fui conhecer a Avenida Paulista sem os
milhares carros que a entopem todos os dias desde sempre. Ainda não havia passado por ela depois de implantado esse novo perfil provocador de polêmicas, mas que pegou.
A principal via pública da Capital havia tempo vinha sendo tomada por artistas diversos e vendedores quinquilharias em cautelosas disputas de espaço com
pedestres e com automóveis. Jamais havia imaginado apreciar o que vi naquele primeiro contato com a novidade. Livre de automóveis e gente apressada, aos domingos a Paulista é quase três quilômetros de povo alegre, bonito e - o melhor de tudo - sem pressa. Gostei de pronto e, parece, a
maioria de quem a vê assim pela primeira vez também.
Inicialmente, muitos, como eu, diante do impacto inicial não sabem exatamente o que fazer com a liberdade de circular,
parar, formar rodinhas, sentar-se no meio da pista e até se deitar no chão para ver os altos edifícios ao redor, se quiser. De fato, custa um pouco acreditar que aquilo tudo seja de verdade.
Se a caminhada der fome, há ofertas de comida para todos os gostos. Bares, cafeterias,
lanchonetes, agrupamentos de “food truck” ajeitam-se nos espaços permitidos na própria avenida ou nas dezenas de vias
laterais.
Mini passeatas também são comuns. Vi duas. A de um sindicato de trabalhadores em museus (!), com cerca de 20 pessoas, e uma de protesto “pela
libertação da Síria” com gritos, cânticos e palavras de ordem ditos em árabe
cujo teor obviamente não pude entender (e acho que ninguém ali parado para
vê-la passar entendia). Apesar disso, todos nos mostramos solidários e com uma apropriada expressão no rosto.
Um músico solitário cantava bonito ao estilo country na porta de um banco acompanhando-se à guitarra. Outro, metros adiante, cantava mal
e sem estilo ao lado de uma banca de jornal, mas nem ele nem ninguém que o assistia se importava com a qualidade sonora. Em frente ao Parque Siqueira Campos (área verde
que avança dois quarteirões sobre o Túnel Nove de Julho a partir do Museu de Arte) o quarteto “Meninos da Rua” executava jazz ao estilo New
Orleans; Maravilhoso! O povo vibrava sem perceber que pisoteava um poema escrito a tinta branca na calçada.
A alguns passos dali, um
lavrador com cara de oriental abrasileirado vendia, coado na hora, um café meio ruim de sabor e consistência, mas paulistanos, em fila, esperavam cerca de dez
minutos para conseguir uma xicarazinha a R$ 4, e tomava aquilo com admiração. Tomei um e quis saber o motivo da admiração: “Ele mesmo planta, colhe, torra,
mói, traz aqui pra avenida e prepara pra gente na hora”, explicou-me um jovem
que acabava de sorver a gororoba com respeito religioso. “O que vale é o
contexto”, filosofei conformado sem muita convicção, mas, confesso: a mim, que vivo em Jacareí, foi difícil
disfarçar uma emocionada cara de dó por constatar como é sentimentalmente
carente o paulistano comum.