segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Tempos difíceis, colegas, muito difíceis!

Conversa com meus colegas de academia
sobre um vizinho radical que detesta Debussy


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Helenita Scherma, como você sabe, moro num prédio de apartamentos em Jacareí situado em uma rua dia e noite movimentada e repleta de sons e imagens de cidade. O 4º andar não fica nas alturas, mas é suficiente para que se veja o rio Paraíba tranquilo e calmante em um de seus trechos que melhor sai nos selfies urbanos agora em moda; também inspiram imagens ingênuas para os pensamentos ilustrados com os quais Joana, Wener, Geraldo José e Salvador Cabrera nos desejam bom-dia.

Dá para se ver, Dinamara Osses, não muito distante, alguns detalhes da região central, tais como o tráfego intenso o tempo todo sobre a Ponte Nossa Senhora da Conceição, os novos edifícios que surgem ali e acolá e um pôr-do-sol cinematográfico pelos lados do Jardim Flórida. Esta imagem do crepúsculo vista de minha janela me faz imaginar, professor Bene, uma derradeira cena para minha vida: o Sol desaparecendo no horizonte para dar lugar à noite e, quando estiver escuro o suficiente, vai subir lentamente da margem direita do rio, na vertical em direção ao infinito, os créditos aos figurantes, roteiristas, extras, atores, figurinistas, diretores e todos os personagens, fixos ou eventuais, que formaram o elenco da minha existência: “Cast...” Coisas de cinema, à Rodrigo Romero. Se não for viável, contento-me com um telão gigante colocado, agora do outro lado do rio, com o nome e algumas fotos do elenco inspirado na abertura da Olimpíada Rio 2016. Diferente, não é verdade?

Há também os sons do daquele pedaço. Estes, infelizmente, descombinados com as imagens evocadas aqui e urgindo adaptações na trilha sonora: são carros que passam roncando exageradamente, aceleram e freiam barulhentos, é a galera do skate da praça ao lado que não se impõe horário, são os moradores de rua que se comunicam aos gritos e palavrões em plena madrugada (é a inclusão social, Rita Emília, fazer o quê?).

Existem, ainda, as ambulâncias de sirene aberta que sempre chegam à Santa Casa, gente que fala alto quando volta das baladas dos fins de semana, motos de escapamento aberto, igrejas que enviam preces ao Céu aos berros. Em épocas de chuvas, não faltam os eventuais “rugido dos ventos” e o “assovio da ventania” que faz bater portas e janelas dos prédios, “despenteia árvores” e assustaram Esther Rosado certa vez, conforme ela conta em sua última crônica de jornal. Enfim, Paulo Ramos, são barulhos, embora intensos às vezes, que estão incorporados à dita trilha sonora do “nosso filme”.

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Assim, Renata Bednarski, não só os moradores dos dois edifícios que formam o conjunto onde moro, mas de toda Jacareí já aprendemos, cada um a seu modo, a diminuir os efeitos dessa protofonia “urbano-afonsina”, “não é mesmo?!” (como diriam, pela ordem, José Luiz Bednarski e Wener). “É um dos preços que pagamos por estarmos vivos”, dirá Celso Abrahão quando voltar a dizer-nos coisas a nós da Academia Jacarehyense de Letras.

Pois, então. De minha parte, Salette Granato, quando necessito de um som mais adequado à beleza das citadas imagens do meu pedaço de chão (como diria Daniel de Castro), tento ouvir música suave ao piano com a qual busco neutralizar toda barulheira inoportuna e fazer uma ponte que vai da beleza romântica do céu avermelhado na “undécima hora do dia”, como disse o Geraldo, à selvageria do asfalto, com o digo eu. Minha predileta é “Clair de Lune” (Significa “luar”, em francês), da Suite Bergamasque, de Debussy, melodia que apesar do nome “metido a sabão”, é simples, linda e evocadora de uma tonificante paz (reproduzo um trecho de Clair de Lune ao final para você conferir, caso não a conheça).

Pois, não é que estava eu a ouvir a “citada cuja” quando um vizinho me toca a campainha do apartamento de modo acintoso e some pela escada de emergência antes que eu atenda para não se identificar. Ele protestava, só pode ser, contra o som que – confesso – deixei em volume acima (um pouco, só um pouco!) do normal; mas era Clair de Lune, poxa!


Claro que parei com a música. Voltou o som agressivo da rua mais a gosto do irmão troglodita. Fosse ele quem fosse não me interessou criar problemas com vizinhos, anônimos ou não. Cheguei a pensar que a questão era do repertório. Por um instante, tive o impulso de trocar a faixa do álbum pela sonata nº 8 em dó menor de Beethoven, outra delicadeza em forma de música, ou a Valsa nº 9 em Lá maior de Chopin, uma graça, mas me contive. Quem aperta campainha e foge ao som de Debussy não vai entender Beethoven ou Chopin. Correria eu o risco de que “a fera” chutasse minha porta ou se explodisse de “vizinho-bomba” no corredor. Tempos difíceis, Sandra Hassman! Eu hein?! 

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